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Viagem, o antes... romantizações, estudos e idealizações.

Quando vamos a algum lugar, não falo em lugares que frequentamos recorrentemente, mas sim lugares especiais, mais concretamente viagens, criamos algum tipo de fantasia/ideia de como vai ser. Por vezes estas idealizações ficam muito aquém do lugar em si, outras, surpreendem-nos. Quando vou passear ou viajar tenho dois tipos de situações: quando se trata de uma passeio “seguro” ou com o qual sei que vou para lugares onde as culturas não diferem muito da minha, costumo ir à vontade, deixar-me perder pelos meandros do passeio ou road trip, ficar onde calhar, comer onde quiser - por norma, não faço muitos planos. Agora, quando vou de viagem para locais em que a minha cultura e mentalidade difere substancialmente do sítio em questão, e especialmente, vou sem guia - costumo fazer os trabalhos de casa.


Este ano irei numa viagem que há muito que “sonho” e sei, que não vou para um paraíso, sei mais ou menos com o que vou contar, ora porque já tive em lugares semelhantes, ora porque existem registos sobre o local. Vejamos se o local irá corresponder às minhas expectativas, temos uma tendência (creio não ser a única) de quando viajamos para um local que há muito que queremos visitar, romantizamos. Então eu, tenho a tendência de vestir a fantasia e criar inúmeros textos sobre a situação ou até pintar uma idealização.


Os locais para onde viajo têm reflexo nos meus trabalhos, sempre. Sou extremamente influenciada pela cultura, cores, cheiros, aromas, situações, pessoas e toda a sua envolvência. Poemas, textos, pinturas, fotografias e outras manifestações artísticas mostram sempre o meu processo de apreensão de um lugar.


Fica aqui um breve registo do antes da viagem, como idealizo a situação em questão, o após logo se verá ainda terei que fazer inúmeros trabalhos de casa.



Contos do Além

[...]


O som ecoava na noite estrelada, pontuados pelos derbak, raq, nay e buzuk, transformavam todo o lugar num encantamento digno de sonho envolto em mistério e magia única. E ainda não poderia afirmar se estaria acordada ou a sonhar, talvez dentro de uma ilusão dentro de uma fascinação. Era como se tivéssemos sido envoltos na nossa essência - os berberes sabiam perfeitamente nos dar as boas vindas.

Até a fogueira parecia acompanhar numa dança das musicalidades produzidas pela combinação instrumental, as chamas saltavam de um lado para o outro em movimentos ondulantes como que se elas mesmo nos fornecessem uma dança do ventre.

O céu cobria-nos num manto de luzes definidas, pequenos pontos de brilhos de aléns, que nos levavam em viagens distantes, muito distantes de tudo o que se passava ao nosso redor. Levantamo-nos a fixar o céu, e a areia fina, tão fina, enterrava-nos os pés e, nós movíamo-nos lentamente num ambiente de deslumbre e fascinação impossível de descrever em palavras, era como se fossemos tão pequenos perante o Mundo, afastamo-nos de todos e, deixamos cair o corpo sobre a areia sempre a fitar aquele céu onde o nosso olhar se perdeu no meio de tantas estrelas - um sonho, só poderia ser um sonho. Estaria acordada?


[...]


Foi como se tivesse acordado a meio de um sonho, estava onde sempre quis estar, uma tenda no meio do deserto lá no além. Em volta, só via areia fina e as enormes dunas que se erguiam até se perder de vista repetiam-se como ondas do mar, ora uma mais alta seguida de outra menos elevada. O calor e o sol ainda não se encontravam no seu auge, ainda estávamos nas primeiras horas da manhã, uma leve e tímida brisa ainda nos acariciava a face a relembrar da noite fria que havíamos testemunhado. As tonalidades daquele céu, é algo quase impossível de reproduzir quer seja por palavras, quer por alguma pintura mais realista, aquelas tonalidades ora azuis, laranjas, amarelas, violetas espelhavam-se na areia que parecia uma seda multicolor, uma extensão entre céu e terra. Sempre afirmarei que os sonhos são algo impossível de descrever e este era, sem dúvida, dos ambientes mais belos que tinha oportunidade de presenciar.

Quando sai da tenda as minhas vestes de pano branco solto esvoaçavam naquele vento ainda fresco e tu, chamaste-me para me sentar ao teu lado e usufruir daquela bela paisagem enquanto o sol não raiava plenamente no céu. Vimos o nascer do dia ali, sentados na manta colorida em cima das areias, a comer o pão forjado nas areias do deserto e a beber aquele chá de hortelã que em nenhum outro local me soube da mesma forma.


[...]

Miragens no Deserto, óleo sobre papel, 2018, Irina Marques.


Por Irina Marques

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